A queda da monarquia e a ascensão da república no Brasil: os bestializados

13/11/2017 12:17

A ascensão da República no Brasil ocorreu mediante um longo desgaste das organizações políticas e sociais do período imperial. Estas mudanças solaparam cada um dos alicerces que sustentavam o poder do imperador D. Pedro II. A emergência de um novo sistema de organização do poder atendeu, novamente, às aspirações da classe dominante que, tal como o processo de independência, posicionou-se como a condutora de um projeto político voltado aos interesses de uma minoria. Vejamos como isto ocorreu.

 

QUESTÃO MILITAR

 Durante o governo de D. Pedro II, o Exército ocupou uma posição marginal na política brasileira. Os baixos soldos, a rígida disciplina da corporação e a lentidão nas promoções desencorajavam os filhos das elites a seguir a carreira militar. Após a Guerra do Paraguai, o Exército saiu fortalecido como corporação. Vitoriosos no conflito, muitos oficiais queriam desempenhar um papel central na vida política, além do de defensor das instituições e da soberania nacional, atribuições impostas pela Constituição. Na década de 1880, houve uma série de atritos entre o governo e oficiais do Exército motivados pelo envolvimento dos militares em questões da política nacional. Os constantes enfrentamentos desse período desgastaram a relação entre o Exército e o governo e enfraqueceram a monarquia. A cada dia ficava mais evidente o projeto dos militares de assumir um novo papel na cena política do Brasil.

Benjamin Constant, Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva convenceram Deodoro da Fonseca a marchar contra o imperador.

 

QUESTÃO RELIGIOSA

 De acordo com a Constituição de 1824, a Igreja Católica estava subordinada ao Estado, sendo frequente a interferência governamental nos assuntos religiosos.

Um dos principais fatores que motivaram a “questão religiosa”, iniciada no Rio de Janeiro, foi a homenagem feita pela Maçonaria ao Visconde do Rio Branco, que na época assinara a Lei do Ventre Livre.

Durante a homenagem, Almeida Martins, um padre maçom, discursou, sendo por esta razão suspenso de ordens pelo bispo do Rio de Janeiro. Começou, assim, o grave conflito que envolveu o clero; a maçonaria e o governo imperial.

No Recife, o bispo D. Vital de Oliveira era contra maçonaria. Os maçons publicaram uma lista de personalidades importantes que faziam parte da seita, entre elas alguns padres. D. Vitai suspendeu esses sacerdotes de suas ordens determinando também a eliminação dos maçons da Irmandades Religiosas.

Paralelamente, no Pará, onde era bispo S. Antônio Macedo Costa, estabeleceu-se um segundo conflito entre a Igreja e o Estado por motivos idênticos aos de Pernambuco.

Por solicitação das Irmandades atingidas, D. Pedro II anula as suspensões. Como os bispos mantiveram firme o propósito de sustentar a decisão, ao imperador não restava senão o recurso de julgá-los e condená-los. Embora fossem mais tarde anistiados, a prisão dos bispos representou uma afronta à igreja, ferindo a religiosidade popular.

 

QUESTÃO ABOLICIONISTA

A abolição não provocou o colapso da produção agrícola, como alardeavam muitos cafeicultores. No entanto, setores agrários mais dependentes do trabalho escravo, em particular os fazendeiros de café do Vale do Paraíba, sentiram-se traídos pelo governo, que acabou com a escravidão sem um programa de indenização dos ex-proprietários.

Os fazendeiros do oeste paulista, que já vinham empregando em suas lavouras imigrantes europeus, nunca tiveram laços fortes com a monarquia. Para eles, o fim da monarquia era a oportunidade de assumir o comando da política brasileira, tradicionalmente conduzida pelos proprietários de terras do Nordeste e do Vale do Paraíba fluminense.

Sem os proprietários de escravos tradicionais, a monarquia perdeu uma importante força de sustentação política.

 

O movimento Republicano

O movimento republicano. O ponto de partida do movimento republicano situou-se no lançamento do Manifesto Republicano em 1870. Tratava-se, entretanto, de um documento conservador e nitidamente contra-revolucionário. Num de seus trechos, estava escrito: "Como homens livres, e essencialmente subordinados aos interesses de nossa pátria, não é nossa intenção convulsionar a sociedade em que vivemos”.

Na realidade, em 1870 a influência dos liberais sobre os republicanos era muito grande e, na prática, era muito difícil distinguir uns dos outros. E, de fato, os republicanos de então defendiam a velha tese dos liberais de que era necessário fazer reformas para evitar a revolução. O jornalista Quintino Bocaiúva, um dos lideres republicanos, declarava-se um convicto "evolucionista" e acreditava que a evolução histórica levaria fatalmente a humanidade à república.

Publicado no Rio de janeiro, o Manifesto não foi recebido da mesma forma em todo o Brasil. A sua repercussão foi imediata em São Paulo e Minas Gerais, onde se constituíram rapidamente núcleos republicanos. O Rio Grande do Sul reagiu mais lentamente, mas de forma positiva.

Nas províncias do norte, a recepção foi praticamente nula, inclusive na Bahia, que, depois de Minas Gerais, era a província mais populosa. Em Pernambuco a recepção foi um pouco melhor, dada a sua tradição de luta democrática, fraca em comparação às províncias do centro e do sul.

Em toda parte, a ascensão dos republicanos foi prejudicada, até 1878, pela falta de identidade própria, devido ao seu estreito convívio com os liberais, que, apesar de alguns pontos em comum com os republicanos, eram, no final das contas, monarquistas. Somente depois de 1878 é que os republicanos começaram a atuar de modo independente, ganhando assim uma identidade própria como movimento.

 

GOLPE NA MONARQUIA

A crise dos militares se agravou em 1889. Reuniões conspirativas de oficiais militares com republicanos civis passaram a acontecer com frequência. Os líderes desse movimento, o militar Benjamin Constant e os civis Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva e Lopes Trovão, habilmente encontraram uma saída para acelerar a queda do antigo regime. O plano era convencer o marechal Deodoro da Fonseca, amigo pessoal do imperador e uma figura respeitada no Exército, a chefiar o movimento pela queda do governo.

Na manhã do dia 15 de novembro de 1889, Deodoro da Fonseca marchou com as tropas para o Ministério da Guerra, onde se encontrava o primeiro-ministro do governo de D. Pedro, o Visconde de Ouro Preto. Sob pressão dos militares, o governo monárquico renunciou.

O dia 15 de novembro, então, resultou de uma ação quase isolada do Exército, apoiada por um pequeno grupo de republicanos civis. Para a imensa maioria da população, alheia aos debates políticos, a república foi uma grande surpresa.

 

 

A primeira Constituição Republicana

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, ou Constituição de 1891, foi a primeira constituição republicana do país, promulgada em dois anos de negociações após a queda do imperador D. Pedro II. Inspirada no exemplo norte-americano e moldada pela filosofia francesa do positivismo, foi esta a constituição que estabeleceu as principais características do Estado brasileiro contemporâneo, como o modelo presidencialista e federativo, o voto direto (ainda que masculino e não secreto) para representantes do executivo e legislativo, a separação entre Estado e religião (laicidade) e a independência entre os três Poderes, bem como o fim de instituições monárquicas como o Poder Moderador e o Conselho de Estado. Relativamente estável, esta Constituição durou até a Revolução (ou Golpe) de 1930, sofrendo apenas uma grande alteração neste período (as Emendas Constitucionais de 1926).

 

Contexto histórico

A Constituição de 1891 surgia com o fim do Império brasileiro (1899) e, mais importante, com o fim da escravidão, tendo que lidar com os conflitos de interesses de uma sociedade essencialmente agrária, pobre, politicamente centralizadora e socialmente fragmentada. Visando à construção de uma nação plural e livre, seu texto se inspira na Constituição dos Estados Unidos; refletindo a tendência intelectual da época, que acreditava que um Estado seria melhor governado sob preceitos racionais, a elaboração da Carta baseou-se também nas ideias do filósofo positivista Auguste Comte, que acreditava que a sociedade operava - e, portanto, podia ser administrada - por leis fixas e objetivas, tal como a natureza opera segundo leis físicas como a da gravidade.

 

Divisão de poderes e o presidencialismo federalista

Decidida a expurgar a influência despótica da política nacional, a Carta de 1891 instituiu a independência dos três poderes e eliminou o Poder Moderador, através do qual o Imperador influenciava os demais. Com a adoção do presidencialismo, ela ampliava o direito de voto para o cargo máximo do Executivo, sendo Prudente de Morais o primeiro presidente eleito do país. Com o federalismo, legava-se maior autonomia e independência aos Estados, que podiam criar suas próprias leis, embora sempre em consonância com a Constituição. Ainda assim, como seria costumeiro em todas as constituições seguintes, houve uma eventual concentração de prerrogativas no Poder Executivo federal, principalmente após as emendas de 1926, que ampliaram o escopo da União para suplantar os interesses dos líderes e populações estaduais, como visto nas diversas revoltas da República Velha (Guerra de Canudos, Guerra do Contestado, etc).

 

Voto e eleições

A Constituição estabeleceu o sufrágio direto para Presidentes e Vice-Presidentes (mandatos de quatro anos sem reeleição), senadores e deputados, acabando com a censitariedade (ou seja, restrição por condições financeiras) da Constituição de 1824. Mesmo assim, podiam votar apenas homens alfabetizados com mais de 21 anos, estando excluídos também mendigos e membros de ordens monásticas, o que restringia o número de eleitores a uma ínfima parcela da população. A Constituição acabou com a vitaliciedade de senadores, reduzindo seu mandato a nove anos, e, em tese, também não restringia a elegibilidade aos cargos por condições econômicas. Na prática, como o voto era descoberto (não secreto), manipulações e intimidações de eleitores pelos candidatos da elite eram norma, resultando no fenômeno do coronelismo.

 

Direitos e religião

Além de manter os direitos à segurança individual, à liberdade e à propriedade da Constituição de 1824, a nova Constituição aboliu os privilégios de nascimento, não mais reconhecendo títulos de nobreza ou afins. No plano religioso, ela foi fundamental por determinar a laicidade do Estado brasileiro, retirando o apoio oficial a qualquer religião e formalizando a liberdade irrestrita de culto.

 

Referências bibliográficas:

"As Constituições do Brasil". Supremo Tribunal Federal, Brasília, Out. 2008. Disponível em: . Data de acesso: 16 de julho de 2016.

 

"Constituição de 1891". Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro. Disponível em: . Data de acesso: 17 de julho de 2016.

 

REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição (1891). Brasília: Planalto do Governo. Disponível em: . Data de acesso: 17 de julho de 2016.

 

Fonte: https://www.infoescola.com/direito/constituicao-de-1891/

 

Exercícios:

 

1- Com base no texto acima, explique os elementos que contribuíram para a ascensão da República no Brasil.

2- “No dia 15 do novembro a República nasceu no Brasil. Concretizava-se naquele momento a inserção do povo no processo político brasileiro”.

Identifique a contradição existente no excerto acima citado contrapondo-o ao verdadeiro argumento sobre o tema.

3- Leia o texto abaixo e elabore uma redação abordando a participação das massas na moderna política brasileira. Temas como a liberação do aborto e do uso de determinados entorpecentes, entre outros, podem ser abordados. Lembre-se de efetuar uma reflexão ligando a historicidade do texto abaixo com o texto a redação que você produzirá.

 

 

Pax Transgênica

RAFAEL CRUZ e SÉRGIO LEITÃO

NO FINAL do século 19, enquanto republicanos e monarquistas debatiam o fim do Império e o nascimento da República no Brasil, a população permaneceu à margem de todo o processo. Alheios à transição política que estava em plena ebulição no país, os brasileiros assistiram "bestializados" à queda de d. Pedro 2º e à formação do novo governo, conforme constatou um desapontado Aristide Lobo, republicano de primeira hora. O império se foi e o brasileiro permaneceu apático, sem saber bem o que estava acontecendo.

Ainda que o espírito republicano tenha aberto espaços de participação popular nos destinos do país, certos setores da sociedade não aprenderam a incluir o cidadão comum nas discussões que lhe dizem respeito.

O debate sobre os transgênicos no Brasil, por exemplo, é um caso emblemático de "bestialização" moderna. As indústrias de biotecnologia e de alimentos, a comunidade científica, os grandes produtores rurais e os ambientalistas se digladiam há anos por meio de termos científicos, técnicos, ambientais, agrícolas e econômicos sem se preocuparem em traduzir essa sopa de letrinhas para a parte mais interessada: os consumidores.

Apesar de serem plantados no Brasil desde 1997, quando a soja geneticamente modificada foi introduzida ilegalmente nos campos do Sul do país, contrabandeada da Argentina, os transgênicos continuam sendo um grande mistério para os brasileiros. Pesquisa realizada em 2007 pelo Instituto Ipsos, a pedido do Greenpeace, revelou que a maioria (70%) expressa dúvida muito grande sobre a validade ou não do consumo de transgênicos. O que mostra que os cidadãos não estão recebendo informação necessária que lhes permita a tomada de decisão séria e responsável sobre o assunto.

O debate sobre os transgênicos poderia estar mais popularizado se a indústria respeitasse e o governo exigisse o cumprimento do decreto nº 4.680/2003, que entrou em vigor no Brasil no ano seguinte. Segundo o texto da lei, todo alimento que tenha sido fabricado com matéria-prima transgênica é obrigado a ter em seu rótulo um símbolo triangular amarelo, com um T preto no meio.

Apesar de estar em vigor há cinco anos, apenas algumas marcas de óleo de soja de algumas empresas foram rotuladas -e, mesmo assim, só a partir do início de 2008, por decisão da Justiça, a partir de denúncias enviadas pelo Greenpeace ao Ministério Público. O silêncio da indústria de alimentos permanece para os produtos que estão, em imensa quantidade, nas prateleiras dos supermercados e que são fabricados a partir de soja transgênica -e em breve do milho transgênico, recém-aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.

O assunto promete ganhar força a partir do dia 18 de março, quando a CTNBio fará audiência pública sobre o arroz geneticamente modificado da Bayer. Diferentemente do que ocorre com a soja e o milho, que passam por processamento industrial para virar ração ou óleo, com o arroz poderemos ter, pela primeira vez, um produto geneticamente modificado que irá diretamente do campo para o prato do brasileiro. E seremos os primeiros no mundo a consumir o arroz transgênico, já que o produto da Bayer não está aprovado em nenhum outro país.

A correta identificação dos produtos transgênicos dá aos consumidores a liberdade de escolha e à sociedade civil e à indústria de alimentos a chance de responder aos brasileiros a pergunta óbvia: o que são transgênicos? As pessoas aprenderam a ler rótulos e procuram se informar sobre as substâncias ali indicadas. Se os transgênicos são tão seguros quanto afirmam as empresas que desenvolvem essa tecnologia, que sejam identificados nos alimentos que os contêm. E os consumidores se informarão sobre o assunto, como o fazem hoje para saber os teores de gordura trans, carboidratos e sódio dos alimentos. Anos atrás, a indústria também resistiu a dar esse tipo de informação.

Na verdade, ao final da guerra pela liberação dos transgênicos, quando foi aprovada no Congresso a Lei de Biossegurança, as condições para a "pax transgênica" que deveriam ser seguidas nunca foram respeitadas -a correta identificação dos produtos que contivessem transgênicos e a garantia da coexistência da sua produção com a convencional e/ou a orgânica. E, como em toda guerra, a maior parte do ônus fica com a sociedade civil, que é obrigada a conviver com a negação de um direito básico: saber o que está comendo.

Indicar nos rótulos aqueles alimentos que de alguma forma têm organismos geneticamente modificados em sua composição é o caminho para que a população brasileira entre de vez nesse debate. Que a decisão dos brasileiros se dê em meio ao excesso de informação, não sob sua escassez.

 

RAFAEL CRUZ, cientista social, é coordenador da campanha de engenharia genética do Greenpeace.

SÉRGIO LEITÃO, advogado, é diretor de campanhas do Greenpeace. Foi diretor do Instituto Socioambiental.