3º Ano Ensino Médio - Filosofia. Trabalho de compensação de ausências - Quarto Bimestre.

13/11/2013 17:34
Trabalho de compensação de ausências
3º Ano Ensino Médio - Filosofia.

Baseando-se nos textos abaixo, responda:

 

1- Quais são os tipos de desigualdades identificados por Rousseau?

2- Explique os elementos Perfectibilidade e Amor-próprio, atribuídos ao homem por Rousseau.

3- Explique a ideia do Bom Selvagem a partir das ideias de Rousseau.

4- Explique por que, segundo Rousseau, a criação da propriedade privadaorigina efetivamente a desigualdade social.

5- Caracterize o Contrato Social a partir das ideias de Rousseau.

6- No seu entendimento, há alguma contradição entre a desigualdade material e a igualdade formal no âmbito do estabelecimento do Contrato Social.

 

Observações:

 

O trabalho deve ser acompanhado de capa onde deve constar os itens:

  • Nome da Escola.

  • Título do trabalho “Trabalho de compensação de ausências.

  • Disciplina.

  • Professor.

  • Nome.

  • Número do Aluno.

  • Série.

  • Mês e ano

  • Exemplo:

 

  • O trabalho não precisa ser impresso.

  • Não entregue o trabalho dobrado – ele não é portátil!

  • Não aceitarei cópia de texto. As respostas devem ser obtidas a partir da interpretação do texto.

  • O trabalho somente será aceito na data especificada na folha oficial fornecida pela coordenação

 





A desigualdade segundo Jean Jacques Rousseau

 

Desigualdade natural e desigualdade social

 

Em 1753, a Academia de Dijon, na França, lançou um concurso no qual os interessados deveriam discorrer sobre a seguinte questão: “Qual é a origem da desigualdade entre os homens e se é autorizada pela lei natural?”. Jean-Jacques Rousseau já havia vencido anteriormente um concurso semelhante, proposto pela mesma academia, sobre o tema “Se o progresso das ciências e das artes contribuiu para corromper ou apurar os costumes”. Resolve, então, participar de novo, escrevendo seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Vejamos como, nesse texto, o autor explica o surgimento da desigualdade social.

Inicia distinguindo dois tipos de desigualdade: uma instituída pela natureza e outra produzida pelos homens. Deixemos, porém, que o próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a diferença entre elas:

“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.”

No caso da desigualdade natural, diz Rousseau, não é necessário perguntar sobre sua causa porque “a resposta se encontraria enunciada na simples definição da palavra”: ela decorre da natureza. Por isso, o autor vai se dedicar a investigar as origens da desigualdade que ele chama de “moral ou política”, isto é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela foi gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até chegar ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do século XVIII).

Quanto ao método que adota para empreender tal investigação, esclarece que utilizará “raciocínios hipotéticos e condicionais” de modo que suas conclusões não devem ser tomadas como “verdades históricas”. Também não levará em consideração as explicações dadas pela religião, segundo as quais a desigualdade resultaria da vontade de Deus, preferindo deixar de lado os dogmas da fé e, fazendo uso apenas da razão, “formar conjecturas, tiradas somente da natureza do homem e dos seres que o rodeiam”. Esclarece, ainda, que não se preocupará em estudar o homem desde a sua origem, naquilo que poderia ser o “primeiro embrião da espécie”, para entender como por meio de sucessivos desenvolvimentos ele chegou a ser o que é atualmente. Diz o autor:

“[...] não me deterei a rebuscar no sistema animal o que teria podido ser no começo para se tornar enfim o que é. Não examinarei, como o supõe Aristóteles, se suas unhas alongadas não foram primeiro garras aduncas; se não era peludo como um urso; e se, ao andar de quatro patas, o seu olhar dirigido para a terra e limitado a um horizonte de alguns passos não marcaria ao mesmo tempo o caráter e o

limite de suas ideias.”

Na realidade, Rousseau opta por não recorrer aos conhecimentos disponíveis já naquela época sobre as possíveis mudanças na conformação física e na anatomia do homem, por se tratar de assunto sobre o qual ele apenas poderia formular “conjecturas vagas e quase imaginárias”. Em vez disso, prefere supor que o homem sempre foi constituído, em todas as épocas, como ele é hoje: “andando com dois pés, servindo-se de suas mãos como fazemos com as nossas, dirigindo o seu olhar para toda a natureza e medindo com os olhos a vasta extensão do céu”. Vale lembrar que Rousseau não conheceu a teoria da evolução, de Darwin, que somente surgiria no século XIX.

 

ROUSSEAU, J.-J. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: <https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2284>. p. 12. Acesso em: 26 dez. 2008.

 

 

O homem no estado de natureza

 

Segundo Rousseau (Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens), antes de existir no estado social, isto é, de viver em sociedade, o homem existia no estado de natureza. Do ponto de vista físico, esse homem primitivo, embora fosse menos forte e ágil em certos aspectos do que muitos animais, no conjunto levava vantagem sobre todos eles; a terra, naturalmente fértil e coberta de florestas imensas “que o machado jamais mutilou”, lhe permitia satisfazer todas as suas necessidades naturais (alimentação, reprodução, abrigo etc.) sem grandes dificuldades; acostumado desde a infância às intempéries da natureza, à intensidade das estações, à fadiga, a defender de mãos vazias e nu a si mesmo e à sua prole de animais ferozes ou deles escapar correndo, valendo-se para isso apenas de seu próprio corpo, mostrava-se fisicamente robusto e ágil, muito mais do que qualquer homem poderia ser nos tempos atuais; graças à sua robustez, praticamente não conhecia doenças, exceto os ferimentos naturalmente decorrentes da velhice; visto que a conservação de sua vida era praticamente sua única preocupação, era natural que os sentidos mais desenvolvidos fossem aqueles mais diretamente voltados para esse objetivo (subjugar a presa ou escapar de tornar-se uma), como a vista, a audição e o olfato, ao passo que o tato e o paladar podiam permanecer rudes. Em suma, a exemplo do que ocorre com os animais que, uma vez domesticados, perdem força, vigor e coragem, também o homem, no estado de natureza, é muito melhor fisicamente do que no estado social.

Do ponto de vista moral, ao contrário dos animais que se limitam a seguir as regras prescritas pela natureza, o homem se constitui como agente livre”, podendo escolher ou rejeitar essas regras. Assim, enquanto “um pombo morre de fome perto de uma vasilha cheia das melhores carnes, e um gato sobre uma porção de frutas ou de grãos, embora ambos pudessem nutrir-se com os alimentos que desdenham, se procurassem experimentá-los”, o homem, dotado de vontade, é capaz não apenas de diversificar seus alimentos, como também de continuar a comer quando sua necessidade natural já foi satisfeita, ainda que isso lhe cause prejuízo à saúde. É justamente essa sua condição de agente livre, e a consciência que possui dessa liberdade, uma das diferenças entre o homem e os animais, segundo Rousseau.

“A natureza manda em todo animal, e a besta obedece. O homem experimenta a mesma impressão, mas se reconhece livre de aquiescer ou de resistir; e é sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma”. Outra característica distintiva do ser humano é a sua perfectibilidade, isto é, sua “faculdade de se aperfeiçoar”. Ao contrário do animal, que “é, no fim de alguns meses, o que será toda a vida, e sua espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro desses mil anos”, o homem pode, com o auxílio das circunstâncias, desenvolver suas potencialidades, as quais se encontram tanto no indivíduo quanto na espécie. Infelizmente, diz Rousseau, é justamente essa capacidade distintiva e quase ilimitada do homem para aperfeiçoar-se a fonte de todos os seus males, uma vez que é ela a responsável por tirá-lo do estado de natureza no qual ele “passaria dias tranquilos e inocentes”. Quanto aos valores morais, Rousseau considera que, no estado de natureza, os homens não eram nem bons, nem maus, nem possuíam vícios ou virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo de relação moral ou de deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude natural que possuíam era a piedade, entendida como uma “repugnância inata de ver sofrer seu semelhante”. Decorre daí a ideia do bom selvagem, frequentemente associada à teoria de Rousseau. Dessa virtude natural é que resultam as virtudes sociais como a generosidade, a clemência, a humanidade, a benquerença e a comiseração. Essa piedade natural do homem opõe-se ao seu amor-próprio, nele gerado pela razão e pela reflexão, típicas do estado de sociedade. É por causa da reflexão que o homem é capaz de pensar primeiro em si e, vendo sofrer um seu semelhante, dizer: “Morre, se queres; estou em segurança”. E complementa Rousseau:

“Pode-se impunemente degolar o semelhante debaixo da janela; é só tapar os ouvidos e argumentar um pouco, para impedir que a natureza, revoltando-se nele, o identifique com aquele que se assassina. O homem selvagem não tem esse admirável talento, e, por falta de sabedoria e de razão, vemo-lo sempre entregar-se, aturdido, ao primeiro sentimento de humanidade”. A piedade é, pois, para Rousseau, um sentimento natural presente em todos os homens. Daí sua posição, de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, ser contrária a de outros pensadores, como Hobbes, por exemplo.

“É ela que nos leva sem reflexão em socorro daqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, faz as vezes de lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer à sua doce voz; é ela que impede todo selvagem robusto de arrebatar a uma criança fraca ou a um velho enfermo sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele mesmo espera poder encontrar a sua alhures; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada, Faze a outrem o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, porém mais útil, talvez, do que a precedente: Faze o teu bem com o menor mal possível a outrem”. Esta era, em linhas gerais, segundo Rousseau, a situação em que vivia o homem no estado de natureza, no qual a desigualdade praticamente não existia.

 

ROUSSEAU, J.-J. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: <https://www.domi niopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2284>. p. 14. Acesso em: 26 dez. 2008.

 

Observação:

Rousseau adverte que não se pode confundir amor-próprio com amor de si mesmo. São dois sentimentos muito distintos. . “O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo animal a velar por sua própria conservação, e que, dirigido no homem pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade e a virtude. O amor-próprio é apenas um sentimento relativo, factício e nascido na sociedade, que leva cada indivíduo a fazer mais caso de si do que de qualquer outro, que inspira aos homens todos os males que se fazem mutuamente, e que é a verdadeira fonte da honra”. Uma vez estabelecida essa distinção, o autor esclarece que, no estado de natureza o amor-próprio não existe.

 

 

A propriedade privada como origem da desigualdade social

 

Após ter demonstrado a quase inexistência da desigualdade no estado de natureza, Rousseau, ainda raciocinando hipoteticamente, passa a descrever como ela surge e se desenvolve ao longo da história, procurando demonstrar que o momento determinante para esse surgimento foi o da invenção da propriedade privada.

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: ‘Isto é meu’, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!’”.

Mas como a humanidade chegou a esse ponto? Segundo Rousseau, isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram a sucessivos progressos, ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da espécie, tornando mau um ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser social. Dentre os progressos obtidos, destacam-se: o aprimoramento das habilidades físicas, proporcionado pela necessidade de sobrevivência; a descoberta das armas naturais (galhos e pedras) e a criação de outras (arco-e- flecha, lanças etc.); a invenção da pesca; a percepção de certas relações (grande, pequeno, forte, rápido, lento, medroso, corajoso etc.), levando a certo nível de reflexão; a consciência da superioridade em relação aos animais, gerando o sentimento de orgulho; as primeiras associações com seus semelhantes para fins de defesa mútua; o desenvolvimento dos instrumentos de produção mais eficientes (machados de pedras cortantes); o aparecimento das famílias e de uma espécie de propriedade das habitações; o surgimento do amor conjugal e do amor paternal, fruto do hábito de viver junto; o estabelecimento da primeira diferença no modo de viver de cada sexo, até então inexistente: as mulheres tomando conta da cabana e os homens provendo a subsistência; o aprimoramento da linguagem; a formação das ideias de mérito e beleza, produzindo sentimentos de preferência; o surgimento do amor e do ciúme; o aparecimento do canto e da dança como formas de distração; o nascimento de sentimentos como a vaidade, a inveja, a vergonha e a vingança; a invenção da metalurgia e da agricultura. Aos poucos, os mais fortes e habilidosos começaram a se destacar, aprofundando a desigualdade. Assim, o homem, que antes era livre, passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou dos homens passou a inspirar em todos eles uma “tendência a se prejudicarem mutuamente, uma inveja secreta tanto mais perigosa quanto, para dar o golpe com mais segurança, toma muitas vezes a máscara de benevolência”.

Desse modo, conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instaurou-se “a pior desordem”:

“[...] as usurpações dos ricos, os assaltos dos pobres, as paixões desenfreadas de todos, sufocando

a piedade natural e a voz ainda mais fraca da justiça, tornaram os homens avarentos, ambiciosos e maus. [...] A sociedade nascente foi praça do mais horrível estado de guerra: o gênero humano, avilta do e desolado, não podendo mais voltar atrás, nem renunciar às infelizes aquisições já obtidas, e não trabalhando senão para a sua vergonha pelo abuso das faculdades que o honram, se colocou também na véspera de sua ruína”.

Estes são, pois, segundo Rousseau, os primeiros efeitos nocivos da instituição da propriedade. Instaurada a desigualdade e o “estado de guerra” entre os homens, os ricos precisavam criar mecanismos para legitimar e perpetuar sua condição. Sabiam muito bem, diz Rousseau, que suas usurpações apoiavam-se em um “direito precário e abusivo” e que, tendo adquirido suas posses pelo uso da força, não poderiam reclamar caso estas lhes fossem tomadas da mesma maneira.

“Bem podiam dizer: ‘Fui eu quem construiu este muro; ganhei este terreno com o meu trabalho’. – ‘E quem vos deu o material?’ – poder-se-ia responder-lhes – ‘E em virtude de que pretendeis ser pagos à nossa custa por um trabalho que não vos impusemos? Ignorais que uma multidão de vossos irmãos perece ou sofre da necessidade daquilo que tendes demais, e que precisaríeis de um consentimento expresso e unânime do gênero humano para vos apropriardes de tudo que na subsistência comum vai além da vossa?’”.

Assim, munido pela necessidade, o rico concebeu uma forma de transformar em aliados seus adversários, inspirando-lhes máximas e criando instituições que servissem a seus propósitos.

“‘Unamo-nos’, – lhes disse, – ‘para livrar da opressão os fracos, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse do que lhe pertence: instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a se conformar, que não façam acepção de pessoas e que de certo modo reparem os caprichos da fortuna, submetendo igualmente o poderoso e o fraco a deveres mútuos. Em uma palavra, em vez de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamo-las em um poder supremo que nos governe segundo leis sábias, que proteja e defenda todos os membros da associação, repila os inimigos comuns e nos mantenha em uma eterna concórdia’”. Desse modo, “Todos correram para as suas cadeias de ferro, acreditando assegurar a própria liberdade”. E complementa Rousseau: “Tal foi ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram sem remédio a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, de uma astuta usurpação fizeram um direito irrevogável, e, para proveito de alguns ambicio-

sos, sujeitaram para o futuro todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria”.

Em suma, pode-se concluir que, para Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de natureza, institui-se por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas faculdades e pelo progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo estabelecimento da propriedade e das leis.

 

ROUSSEAU, J.-J. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: <https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2284>. p. 29-30. Acesso em: 26 dez. 2008.

 

 

O contrato social e a igualdade formal

 

Apesar de sua crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível. Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se, agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em conformidade com a justiça e a liberdade. Cabe, segundo o autor, na obra Do Contrato Social:

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente.”

Como isso seria possível? Como conciliar obediência e liberdade? A resposta estaria no contrato social, isto é, na livre associação dos indivíduos que deliberadamente decidem constituir certo tipo de sociedade e a ela obedecer. As cláusulas desse contrato se reduziriam a uma só: “a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque, primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para todos, a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros”.

Alienar significa transferir para outrem o domínio ou a propriedade de alguma coisa, renunciar (Dicionário Houaiss). No caso em questão, trata-se de renunciar parcialmente a si mesmo (parte de seu poder, de sua vontade, de sua liberdade) em benefício da coletividade. Como, porém, esta alienação é total, isto é, praticada por todos, cada cidadão não estará obedecendo a interesses particulares de um determinado grupo, mas à vontade geral, que é sempre dirigida para o bem comum. Assim, a ameaça da opressão, da injustiça e da desigualdade fica afastada.

“Enfim, cada qual, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem”. Como a vontade individual de cada cidadão participa da vontade geral, visto que a alienação foi aceita por todos com liberdade, a submissão à vontade geral conduz à liberdade: cada cidadão obedece às leis que prescreveu para si mesmo. Na realidade, Rousseau distingue “liberdade natural”, que consiste em fazer tudo o que se deseja e que esteja ao alcance das próprias forças, de “liberdade civil” ou “liberdade moral”, que é limitada pela vontade geral. Com o contrato, o homem perde a primeira, mas ganha a segunda. E para Rousseau, essa

liberdade moral adquirida com o estado civil é a “única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, posto que o impulso apenas do apetite constitui a escravidão, e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a liberdade”. Nesse contexto, as leis ganham novo significado: sendo resultado da vontade geral, a obediência a elas deixa de ser um mecanismo de submissão aos ricos para se tornar expressão da liberdade e da soberania do povo. Assim, de algum modo, o contrato social compensa, com vantagem, a perda da igualdade que reinava no estado de natureza, substituindo uma eventual desigualdade natural de força e de gênio entre os homens, por uma “igualdade moral e legítima” pela qual “todos se tornam iguais por convenção e direito”. Trata-se, porém, como o próprio Rousseau reconhece, de uma igualdade formal, de direito, capaz de conviver perfeitamente com a desigualdade material, de fato.

 

ROUSSEAU, J.-J. Do Contrato Social. Disponível em: <https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2244>. p. 9. Acesso em: 10 abr. 2009.

 

 

Flashaml 29/10/2012 20:10