O Mito de Protágoras e A Política

14/09/2018 03:23

O mito de Protágoras

 

 

Sócrates: Vou começar, Protágoras, pela finalidade da nossa visita. Hipócrates, aqui presente, deseja entrar para a tua escola e diz que gostaria de conhecer as vantagens que obteria com teu ensino. Eis tudo o que temos a dizer.

Protágoras: Meu jovem, a vantagem que obterás com minhas lições é que, depois de passares um dia comigo, voltarás para casa melhor do que eras; no dia seguinte a mesma coisa, e assim, todos os

dias farás progressos, sempre para melhor.

Sócrates então pede que Protágoras seja mais preciso na sua resposta e este acrescenta: “Eu só ensino a meus discípulos a ciência que eles procuram; esta ciência é a prudência, que lhes ensinará, nos negócios domésticos, a melhor forma de administrar a própria casa, e nos negócios da cidade (pólis) os tornará melhores para agir e falar por ela”.

Sócrates: Terei compreendido bem tua explicação? Referes-te então à arte política e dedicaste a formar bons cidadãos?

Protágoras: Isso mesmo, Sócrates; esta é a ciência à qual me dedico.

Sócrates, então, passa a questionar Protágoras sobre a real possibilidade de se ensinar a virtude da mesma forma como se ensinam outras artes, como a da medicina, ou a de tocar flauta, e desafia Protágoras a demonstrar que ensinar a arte da política é, de fato, possível.

Protágoras: Pois bem, Sócrates. Mas, o que preferes? Que faça a minha demonstração contando uma fábula, como um avô conta histórias aos netos, ou discutindo a questão, ponto por ponto?

Como os presentes ao diálogo respondessem que Protágoras tratasse a questão como preferisse, Protágoras responde: “Parece que contar a fábula será mais agradável para todos”.

E, assim, passa a contar o que se tornou célebre como o “Mito de Protágoras”.

Eis um resumo da história:

[...]

 

Os deuses haviam terminado a criação das várias criaturas (animais) do mundo. Mas ainda tinham que dar-lhes vida. Para tanto, chamaram dois irmãos – Prometeu e Epimeteu – para realizarem a seguinte tarefa: distribuir os dons para as diversas espécies, de maneira equitativa para que se garantisse que uma espécie não acabasse por destruir a outra. Epimeteu convence o irmão a deixá-lo fazer a distribuição dos dons e depois chamar Prometeu para conferir a obra. Epimeteu fez a partilha, dando a uns a força, e não a velocidade; a outros, a velocidade, mas não a força; deu recursos a alguns, e não a outros, a quem doou outros meios de sobrevivência. [...] Estes cuidados visavam evitar a extinção de cada raça.

Quando Prometeu veio examinar a distribuição dos recursos, viu as várias criaturas bem providas de tudo, enquanto o homem encontrava-se nu, descalço, sem proteção ou armas. Sem saber o que fazer, roubou dos deuses o domínio do fogo e das artes e presenteou-os ao homem. Assim, o homem ficou com as técnicas para se conservar vivo, mas sem a arte da política. Por estes favores aos homens, parece que Prometeu foi severamente punido mais tarde.

Com o que tinha, o homem articulou a linguagem, construiu casas, inventou a agricultura. Mas, isolados, continuavam frágeis diante dos perigos da natureza. E, quando procuravam reunir-se em segurança, fundando cidades, faziam mal uns aos outros, pois não tinham os saberes da política, e assim, se dispersavam e acabavam por morrer. Então, Zeus, temendo que a nossa espécie se extinguisse, encarregou Hermes de levar aos homens os dons do pudor e da justiça como norma para a convivência a ligar os homens pelos laços da civilidade. Depois de estabelecer que o pudor e o senso da justiça fossem repartidos a todos os homens sem exceção, ordena que, em seu nome, todo homem incapaz de pudor e justiça “seja exterminado como se fosse uma peste na sociedade”.

E assim, a humanidade sobreviveu e progrediu.

Em seguida, Protágoras apresenta seus argumentos, tratando a questão “ponto por ponto”. Afirma que, em relação às artes, concorda que os profissionais não admitam que amadores deem palpite. “Mas, quando se delibera sobre política, que se apoia no senso da justiça e na temperança, é adequado admitir todo o tipo de gente a opinar. Pois é necessário que todos tenham parte na virtude da civilidade. Senão, não poderia existir a cidade.”

Depois, quanto à possibilidade de se ensinar a virtude política, oferece outros argumentos:

No ensino da virtude, a tarefa dos pais começa desde os primeiros anos e estende-se até a morte [...]. Cada ato, cada palavra serve de ocasião para uma lição: ‘Isto é justo, dizem-lhe, aquilo injusto;

isto é belo, aquilo vergonhoso; isto agrada aos deuses, aquilo desagrada; faça isto, não faça aquilo’. [...]

Depois, os pequenos são mandados à escola [...]. Ali conhecem as muitas normas, muitas histórias de louvor aos heróis antigos. É que se espera que a criança os imite e busque se assemelhar a eles.”

“Pelo fato de todos ensinarem a virtude, cada um na sua oportunidade, parece que ninguém a ensina. É o mesmo que se dá ao procurar um professor específico para ensinar a falar o grego (nossa língua materna). Não existe tal professor.” Depois da exposição da fábula e dos argumentos, Sócrates vira-se para o candidato a discípulo de Protágoras e exclama: “Hipócrates, filho de Apolodoro, como agradeço me fazeres vir a este encontro! Por nada no mundo trocaria o prazer de ter ouvido este discurso de Protágoras.”

 

Tradução e adaptação dos autores deste Caderno a partir da obra Protágoras, de Platão, divulgada em espanhol. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2009.

 

 

 

A Política

 

“[...] Se as primeiras comunidades são um fato da natureza, também o é a cidade, porque ela é o fim daquelas comunidades, e a natureza de uma coisa é o seu fim: aquilo que cada coisa se torna quanto atinge seu completo desenvolvimento, nós chamamos de natureza daquela coisa, quer se trate de um homem, de um cavalo ou de uma família. Além disso, a causa final e o fim de uma coisa é o que é o melhor para ela; ora, bastar-se a si mesma é, ao mesmo tempo, um fim e um bem por excelência.

Essas considerações tornam evidente que a cidade é uma realidade natural e que o homem é, por natureza, um animal político. E aquele que, por natureza e não por mero acidente, não faz parte de uma cidade é ou um ser degradado ou um ser superior ao homem [...] um tal homem é, por natureza, ávido de combates, e é como uma peça isolada no jogo de damas. É evidente, assim, a razão pela qual o homem é um animal político em grau maior que as abelhas ou todos os outros animais que vivem reunidos. Dizemos, de fato, que a natureza nada faz em vão, e o homem é o único entre todos os animais a possuir o dom da fala. Sem dúvida os sons da voz exprimem a dor e o prazer e são encontrados nos animais em geral, pois sua natureza lhes permite experimentar esses sentimentos e comunicá-los uns aos outros. Mas quanto ao discurso, ele serve para exprimir o útil e o nocivo e, em consequência, o justo e o injusto. De fato, essa é a característica que distingue o homem de todos os outros animais: só ele sabe discernir o bem e o mal, o justo e o injusto, e os outros sentimentos da mesma ordem; ora, é precisamente a posse comum desses sentimentos que engendra a família e a cidade.

A cidade, portanto, é por natureza anterior à família e a cada homem tomado individualmente, pois o todo é necessariamente anterior à parte; assim, se o corpo é destruído, não haverá mais nem pé nem mão, a não ser por simples analogia, como quando se fala de uma mão de pedra, pois uma mão separada do corpo não será melhor que esta. Todas as coisas se definem sempre pelas suas funções e potencialidades; por conseguinte, quando elas não têm mais suas características próprias, não se deve dizer mais que se trata das mesmas coisas, mas apenas que elas têm o mesmo nome. É evidente, nessas condições, que a cidade existe naturalmente e que é anterior aos indivíduos, pois cada um destes, isoladamente, não é capaz de bastar-se a si mesmo e está, em relação à cidade, na mesma situação que uma parte em relação ao todo; o homem que é incapaz de viver em comunidade, ou que disso não tem necessidade porque basta-se a si próprio, não faz parte de uma cidade e deve ser, portanto, um bruto ou um deus.”

 

ARISTóTElES. A Política. livro primeiro: Da sociedade civil e da escravidão, da propriedade e do poder doméstico. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2009.

 

A linguagem como atividade humana

 

Considerando o homem um ser que fala e a palavra a senha de entrada no mundo humano, vamos examinar mais profundamente o que vem a ser a linguagem especificamente humana.

A linguagem é um sistema simbólico. O homem é o único animal capaz de criar símbolos, isto é, signos arbitrários em relação ao objeto que representam e, por isso mesmo, convencionais, ou seja, dependentes de aceitação social. Tomemos, por exemplo, a palavra casa. Não há nada no som nem na forma escrita que nos remeta ao objeto por ela representado (cada casa que, concretamente, existe em nossas ruas). Designar esse objeto pela palavra casa, então, é um ato arbitrário. A partir do momento em que não há relação alguma entre o signo casa e o objeto por ele representado, necessitamos de uma convenção aceita pela sociedade, de que aquele signo representa aquele objeto. É só a partir dessa aceitação que poderemos nos comunicar, sabendo que, em todas as vezes que usarmos a palavra casa, nosso interlocutor entenderá o que queremos dizer.

A linguagem, portanto, é um sistema de representações aceitas por um grupo social, que possibilita a comunicação entre os integrantes desse mesmo grupo. Entretanto, na medida em que esse laço entre representação e objeto representado é arbitrário, ele é, necessariamente, uma construção da razão, isto é, uma invenção do sujeito para poder se aproximar da realidade. A linguagem, portanto, é produto da razão e só pode existir onde há racionalidade.

A linguagem é, assim, um dos principais instrumentos na formação do mundo cultural, pois é ela que nos permite transcender a nossa experiência. No momento em que damos nome a qualquer objeto da natureza, nós o individuamos, o diferenciamos do resto que o cerca; ele passa a existir para a nossa consciência. Com esse simples ato de nomear, distanciamo-nos da inteligência concreta animal, limitada ao aqui e agora, e entramos no mundo do simbólico. O nome é símbolo dos objetos que existem no mundo natural e das entidades abstratas que só têm existência no nosso pensamento (por exemplo, ações, estados ou qualidades como tristeza, beleza, liberdade).

O nome tem a capacidade de tornar presente para a nossa consciência o objeto que está longe de nós.

O nome, ou a palavra, retém na nossa memória, enquanto ideia, aquilo que já não está ao alcance dos nossos sentidos: o cheiro do mar, o perfume do jasmim numa noite de verão, o toque da mão da pessoa amada; o som da voz do pai; o rosto de um amigo querido. O simples pronunciar de uma palavra representa, isto é, torna presente à nossa consciência o objeto a que ela se refere. Não precisamos mais da existência física das coisas: criamos, através da linguagem, um mundo estável de ideias que nos permite lembrar o que já foi e projetar o que será. Assim é instaurada a temporalidade no existir humano. Pela linguagem, o homem deixa de reagir somente ao presente, ao imediato; passa a poder pensar o passado e o futuro e, com isso, a construir o seu projeto de vida.

Por transcender a situação concreta, o fluir contínuo da vida, o mundo criado pela linguagem se apresenta mais estável e sofre mudanças mais lentas do que o mundo natural. Pelas palavras, podemos transmitir o conhecimento acumulado por uma pessoa ou sociedade. Podemos passar adiante esta construção da razão que se chama cultura.



Referência bibliografica


ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1995, pgs 11 e 12.

 

CONTINUE ESTUDANDO: ACESSE O TEXTO "FILOSOFIA POLÍTICA - CONCEITOS ELEMENTARES" CLIQUE AQUI PARA SER REDIRECIONADO!

 

 

 

Atividade avaliativa de Filosofia Modelo I

 
Para responder as questões 1, 2, 3 e 04 acesse: www.humanidades.esy.es/sintese_politica_poder_estado.htm  

1- Por que é correto afirmar que somos seres políticos?

2- Explique o que é política a partir dos conceitos poder natural e poder social.

3- Explique e exemplifique as três formas do poder social.

4- Quando um indivíduo expõe conceitos e ideias da sua visão político-partidária de mundo ele está exercendo uma das três formas do poder social. Qual? Justifique a sua resposta.

5- O Mito de Protágoras apresenta a visão política de qual filósofo?

6- No Mito de Protágoras o homem foi apresentado inicialmente como um ser que estava nú e descalço frente aos demais seres vivos da natureza. O que isto simboliza na história do homem?

7- Ao homem Prometeu deu os domínios sobre o fogo e a arte. Em que isto resultou aos homens em termos reais?

8- “Aos homens foram concedidos os dons do pudor e da justiça” Por que estes dois elementos simbolizam o nascimento da política?

9- “Aquele que não for capaz de desenvolver o pudor e a justiça deve ser banido da sociedade como uma praga a ela”. Explique este trecho do Mito de Protágoras de modo prático.

 

 

 

 
 
 
 
 

Atividade avaliativa de Filosofia Modelo II

Link para responder questões 1, 2,  

www.humanidades.esy.es/sintese_politica_poder_estado.htm

1- Explique de forma conceitual as ideias trabalhadas no "Mito de Protágoras".

2- Explique porque, segundo o "Mito de Protátogas", pudor e justiça são os elementos constitutivos da política.

3- Explique o excerto abaixo a partir da análise da sociedade brasileira.

"...todo homem incapaz de desenvolver o pudor e justiça deve ser exterminado como se fosse uma peste na sociedade”.

4- Por que, de acordo com Aristóteles, o ser humano é um animal político?

5- Explique o excerto abaixo a partir da análise da sociedade brasileira.

 

"...cada um destes, isoladamente, não é capaz de bastar-se a si mesmo e está, em relação à cidade, na mesma situação que uma parte em relação ao todo".

 

 

Avaliação de Filosofia

 

 

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